TROVADORISMO
É chamado de trovadorismo o
primeiro movimento artístico que se deu na poesia europeia,
sobretudo a partir dos séculos XI e XII. Composto por cantigas líricas
e satíricas, escritas pelos trovadores, que dão nome ao movimento, era
um híbrido entre a linguagem poética e a música.
Acompanhados de
instrumentos musicais e de dança, os trovadores viajavam entoando suas cantigas.
Foi um dos gêneros literários mais populares da Idade
Média,
ao lado das novelas de cavalaria, expressão da prosa no período.
Contexto histórico
O trovadorismo
desenvolveu-se durante o período medieval, principalmente a partir
do século XII. À época, não existiam ainda os Estados
nacionais — a
Europa encontrava-se dividida em feudos, grandes
propriedades controladas pelos suseranos. O valor, na Idade Média, não era
fundamentado no dinheiro, mas na posse territorial. Por esse motivo, o
cotidiano medieval era marcado por muitas guerras, batalhas e invasões com
o intuito da conquista de território.
Estabeleceu-se,
então, uma relação de suserania e vassalagem: o suserano, senhor do
feudo, precursor da nobreza europeia, oferecia proteção aos seus vassalos que,
em troca, produziam os bens de consumo: cultivavam, fiavam, forjavam as armas
etc.
Com
o declínio
do Império Romano,
a partir dos séculos IV e V, o latim vulgar, língua oficial de
Roma, passou a sofrer modificações entre os povos dominados.
Foi nesse longo período da Idade Média que começaram a surgir as línguas
neolatinas, como o português, o espanhol, o
francês, o italiano, o romeno e o catalão. No entanto, foi apenas no século XIV
que o português surgiu como língua oficial; as cantigas dos trovadores foram,
portanto, escritas em um outro dialeto: o galego-português.
Características do
trovadorismo
As obras do trovadorismo
são chamadas cantigas, pois eram escritas para serem declamadas
(não havia cultura do livro na Idade Média, a população era em grande parte
analfabeta e ainda não havia sido inventado o livro impresso), e frequentemente
eram acompanhadas de instrumentos musicais, como a lira, a flauta, a viola.
Enquanto o compositor (de
origem) era chamado de trovador, o músico era chamado de menestrel.
Chamava-se segrel o trovador profissional, cavaleiro que
ia de corte em corte divulgando suas cantigas em troca de dinheiro.
Havia ainda o jogral,
cantor de origem popular que interpretava cantigas de outrem e compunha as suas
próprias. As baladeiras ou soldadeiras eram
as dançarinas e cantoras que também os acompanhavam nas apresentações e
dramatizações das cantigas.
Trovador tocando uma
lira, instrumento musical que deu o nome ao gênero lírico.
O trovadorismo foi
um movimento itinerante, isto é, os grupos de
trovadores e menestréis viajavam pelas cortes, burgos e feudos, divulgando em
suas composições acontecimentos políticos e propagando ideias, como
a do comportamento amoroso esperado de um cavaleiro apaixonado.
O amor é
um dos temas centrais do trovadorismo. É o eixo condutor das cantigas
de amor e das cantigas de amigo. É comum o tema da coita (coyta),
palavra que designa a dor do amor, do trovador apaixonado que sente no corpo a
não realização amorosa. Daí a origem da palavra “coitado”: aquele que foi
desgraçado, vítima de dor ou mazela.
Os trovadores
escreveram ainda outros dois tipos de cantiga: as de escárnio e
as de maldizer, dedicadas a satirizar e ridicularizar.
Trovadorismo em
Portugal
O trovadorismo
galego-português desenvolveu-se, em termos gerais, em finais do século
XII. Os pesquisadores apontam sua gênese em uma cantiga de Paio
Soares de Taveirós dedicada a Maria Pais Ribeiro, a favorita do rei
Sancho I, que viveu entre os anos de 1154 e 1211.
É importante
salientar que a literatura
portuguesa do
século XII não possuía ainda uma noção de identidade nacional plenamente
instituída.
A identidade dos
trovadores,
portanto, não era portuguesa, mas ibérica e hispânica. A origem
desses compositores era Leão, Galícia, o reino português, Castela etc.
Foi Dom
Dinis I,
no final do século XIII, quem estabeleceu a língua galego-portuguesa
como oficial do reino, junto às primeiras universidades. E ele mesmo era um
rei-trovador. O monarca poeta queria que Portugal
se constituísse como nação de fato, incentivando a identidade cultural e o
trovadorismo. O movimento foi, portanto, muito importante para o desenvolvimento
do idioma e da cultura portuguesa.
Autores e obras do
trovadorismo
Houve grande
número de autores das cantigas galego-portuguesas, parte deles de
origem desconhecida, anônima. Sabe-se, contudo, que a arte trovadoresca é, em
sua grande maioria, de autoria dos grandes senhores medievais ibéricos. Além
dos trovadores, havia também os jograis, autores que provinham das classes
populares, que não apenas interpretavam as cantigas mas também as compunham.
Dos autores
mais conhecidos, destacam-se João Soares de Paiva, autor mais antigo
presente nos manuscritos, João Zorro, Martin Codax, Paio Soares de Taveirós,( introduz o Trovadorismo com a cantiga da
Ribeirinha) João Garcia de Guilhade, Vasco Martins de Resende e os
reis D.
Dinis I e Afonso
X.
As obras
do trovadorismo constituem de pergaminhos e manuscritos.
O que chegou até nossos dias está compilado nos Cancioneiros. São
mais conhecidos os pergaminhos Vindel e Sharrer,
por possuírem notação musical. Com base neles, foram feitas gravações
contemporâneas de algumas cantigas, como “Ondas do mar de Vigo”, do jogral
Martin Codax, permitindo que possamos ouvir as cantigas conforme foram
idealizadas por seus autores.
Cantigas
As
cantigas dividem-se em dois tipos: lírico e satírico.
- Cantigas líricas
Cantigas
líricas são
as de temática amorosa, e possuem dois tipos: cantigas de amor e cantigas
de amigo.
- Cantigas de amor
Gênese
da poesia amorosa que surgiria nos séculos seguintes, a cantiga de amor é
cantada em 1ª pessoa. Nela, o trovador declara seu amor por
uma dama, geralmente acometido pela coita, a dor amorosa diante da
indiferença da amada.
A confissão
amorosa é direta, e o trovador comumente dirige-se à dama como “mia
senhor” ou “mia senhor fremosa” (“minha senhora” ou “minha formosa senhora”),
em analogia às relações de senhorio e vassalagem medievais. O apaixonado é,
portanto, servo e vassalo da amada e enuncia seu amor com insistência e
intensidade.
Mesura1 seria, senhor2,
de vos amercear3 de mi,
que vós em grave4 dia vi,
e em mui grave voss’amor,
tam grave que nom hei poder
d’aquesta coita mais sofrer
de que muit’há fui sofredor.
de vos amercear3 de mi,
que vós em grave4 dia vi,
e em mui grave voss’amor,
tam grave que nom hei poder
d’aquesta coita mais sofrer
de que muit’há fui sofredor.
Pero sabe Nostro
Senhor
que nunca vo-l’eumereci,
mais sabe bem que vós servi,
des que vos vi, sempr’o melhor
que nunca pudi fazer;
por em querede-vos doer
de mim, coitado pecador.
que nunca vo-l’eumereci,
mais sabe bem que vós servi,
des que vos vi, sempr’o melhor
que nunca pudi fazer;
por em querede-vos doer
de mim, coitado pecador.
[...]
(D. Dinis, em Cantigas
de D. Dinis, B 521b, V 124)
[1] mesura:
“cortesia”
[2] senhor:
“senhora”. Os sufixos terminados em “or” não possuíam flexão feminina.
[3] amercear:
“compadecer-se, sentir compaixão”
[4] grave:
“difícil, infeliz”
Nessa cantiga, o
trovador espera que a dama tenha a cortesia de sentir compaixão por
ele. Sofrendo, diz que foi infeliz o dia em que a conheceu e mais infeliz ainda
o amor que por ela sentiu, tão difícil que não pode mais sofrer da coita, pois
que há muito é sofredor. Sabe Deus que ele nunca mereceu esse
sofrimento, sabe Deus que ele sempre ofereceu à dama o seu melhor e diz que ela
é que quer vê-lo padecer, coitado pecador.
- Cantigas
de amigo
Embora compostas por
trovadores homens, representam sempre uma voz feminina. É a dama
quem vai expor seus sentimentos, sempre de maneira discreta, pois, para o
contexto provençal, o valor mais importante de uma mulher é a discrição.
A donzela dirige-se por vezes à sua mãe, a uma irmã ou amiga, ou ainda a um
pastor ou alguém que encontre pelo caminho. Existem sete categorias de cantigas
de amigo:
- as albas,
que cantam o nascer do Sol;
- as bailias, que cantam a arte da dança;
- as barcarolas, de temática marítima;
- as pastoreias, de temática bucólica;
- as romarias, de celebração religiosa;
- as serenas, que cantam o pôr do Sol;
- as de pura soledade, que não se enquadram em nenhum dos temas anteriores.
- as bailias, que cantam a arte da dança;
- as barcarolas, de temática marítima;
- as pastoreias, de temática bucólica;
- as romarias, de celebração religiosa;
- as serenas, que cantam o pôr do Sol;
- as de pura soledade, que não se enquadram em nenhum dos temas anteriores.
Oy eu, coytada, como
vivo em grancuydado
por meu amigo que eyalongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda
por meu amigo que eyalongado!
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda
Oy eu, coytada, como
vivo em gran desejo
por meu amigo que tarda e non vejo!
Muyto me tarda
o meu amigo na Guarda
por meu amigo que tarda e non vejo!
Muyto me tarda
o meu amigo na Guarda
(D. Sancho I ou
Alfonso X [autoria duvidosa], Cancioneiro da Biblioteca Nacional, B
456)
Nessa cantiga,
verifica-se que a donzela também sofre as penosas dores do amor, da distância
entre ela e o amado, oficial da guarda, que há muito não vê. Percebemos,
entretanto, que o discurso amoroso é mais sutil, não é dirigido
diretamente ao rapaz; trata-se de um lamento de saudade.
- Cantigas
satíricas
Destinam-se a ironizar ou difamar determinada
pessoa. Existem dois tipos de cantigas satíricas: as de escárnio e
as de maldizer.
- Cantigas
de escárnio
São mais
irônicas e trabalham sobretudo com trocadilhos e palavras de duplo
sentido, sem mencionar diretamente nomes. São críticas indiretas: é
um “mal dizer” de maneira encoberta, insinuada.
Ai dona fea,
fostes-vos queixar
que vos nunca louv'en[o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei todavia;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
que vos nunca louv'en[o] meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei todavia;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, se Deus mi
perdom,
poishavedes [a]tamgramcoraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero já loar todavia;
e vedes qual será a loaçom:
dona fea, velha e sandia!
poishavedes [a]tamgramcoraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero já loar todavia;
e vedes qual será a loaçom:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos
eu loei
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já um bom cantar farei
em que vos loarei todavia;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já um bom cantar farei
em que vos loarei todavia;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!
(João Garcia de
Gilhade, Cancioneiro da Biblioteca Nacional, B 1485 V 1097)
Nessa cantiga de
escárnio, o trovador responde a uma dama que se teria queixado de nunca ter
recebido dele nenhuma trova. Irônico, ele diz que fará, então, uma cantiga para
louvá-la, chamando-a “dona feia, velha e louca [sandia]”.
- Cantigas
de maldizer
São aquelas em que os
trovadores apontam direta e nominalmente o alvo de suas
sátiras, de forma propositalmente ofensiva e fazendo uso
de vocabulário grosseiro.
Da mulher vossa, ó
meu Pero Rodrigues
Jamais creiais no mal que falam dela.
Pois bem sei eu que ela por vós mui zela,
Quem não vos quer vos traz somente intrigas!
Pois quando deitou ela em minha cama,
A mim mui bem de ti ela falava,
Se a mim deu o corpo, é a vós quem ela ama.
Jamais creiais no mal que falam dela.
Pois bem sei eu que ela por vós mui zela,
Quem não vos quer vos traz somente intrigas!
Pois quando deitou ela em minha cama,
A mim mui bem de ti ela falava,
Se a mim deu o corpo, é a vós quem ela ama.
(Martim Soares,
versão de Rodrigues Lapa, em Crestomatia arcaica)
Cancioneiros
As cantigas do
trovadorismo chegaram até nosso conhecimento pelo registro dos Cancioneiros.
Trata-se de livros, geralmente manuscritos, que são compilados com
as letras e, às vezes, notações musicais das canções, além de ilustrações. São
três os principais Cancioneiros.
- Cancioneiro da ajuda: compilação de textos do século XIII, foi descoberto na biblioteca do Colégio dos Nobres apenas no início do século XIX. Possui 310 cantigas, em sua maioria de lírica amorosa, e permaneceu inacabado, o que é perceptível por possuir iluminuras com as pinturas incompletas ou ainda apenas com o desenho traçado.
- Cancioneiro
da Biblioteca Nacional: manuscrito copiado na Itália no começo do século
XVI, por inciativa do humanista AngeloColocci,
com base em outro manuscrito de origem medieval desconhecida. Contém 1560
poemas de cerca de 150 trovadores e menestréis galego-portugueses,
compostos entre os séculos XII e XIV, nos gêneros lírica amorosa e sátira.
- Cancioneiro
da Vaticana:
também copiado por AngeloColocci, na Itália, recebe esse nome por ter sido
encontrado na Biblioteca do Vaticano. É composto de 1205 cantigas, das
quais 138 são de autoria de D. Dinis.
Resumo
- Foi
um movimento poético-musical;
- Desenvolveu-se
na Idade Média, entre os séculos XI e XIV;
- As
composições chamavam-se cantigas e eram geralmente acompanhadas de música
e dança;
- Cantigas
de amor (cavaleiro declara amor e coita à dama);
- Cantigas
de amigo (sempre na voz feminina);
- Cantigas
de escárnio (ironia e crítica indireta);
- Cantigas
de maldizer (ofensivas e diretas, citando nomes);
- As
cantigas chegaram aos nossos dias graças ao Cancioneiros;
- Os
trovadores oficiais tinham linhagem nobre, incluindo reis, mas havia
também os jograis, nascidos nas camadas populares;
- Apreciada
pela corte, a obra trovadoresca foi importante instrumento de consolidação
da cultura e do idioma português.
Questão 1
Assinale a afirmativa
correta com relação ao Trovadorismo.
Texto I
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá
cedo!
Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá
cedo!
Martim Codax
Obs.: verrá = virá
levado = agitado.
Texto II
1. Me sinto com a
cara no chão, mas a verdade precisa ser dita ao
2. menos uma vez: aos
52 anos eu ignorava a admirável forma lírica da
3. canção paralelística
(...).
4. O “Cantar de amor”
foi fruto de meses de leitura dos cancioneiros.
5. Li tanto e tão
seguidamente aquelas deliciosas cantigas, que fiquei
6. com a cabeça cheia
de “velidas” e “mha senhor” e “nula ren”;
7. sonhava com as
ondas do mar de Vigo e com romarias a San Servando.
8. O único jeito de
me livrar da obsessão era fazer uma cantiga.
Manuel Bandeira
a) Um dos temas mais
explorados por esse estilo de época é a exaltação do amor sensual entre nobres
e mulheres camponesas.
b) Desenvolveu-se especialmente no século XV e refletiu a
transição da cultura teocêntrica para a cultura antropocêntrica.
c) Devido ao grande
prestígio que teve durante toda a Idade Média, foi recuperado pelos poetas da
Renascença, época em que alcançou níveis estéticos insuperáveis.
d) Valorizou recursos
formais que tiveram não apenas a função de produzir efeito musical, como também
a função de facilitar a memorização, já que as composições eram transmitidas
oralmente.
e) Tanto no plano
temático como no plano expressivo, esse estilo de época absorveu a influência
dos padrões estéticos greco-romanos
Questão 2
Assinale a
alternativa incorreta a respeito do Trovadorismo em Portugal.
a) Durante o
Trovadorismo, ocorreu a separação entre poesia e a música.
b) Muitas cantigas
trovadorescas foram reunidas em livros ou coletâneas que receberam o nome de
cancioneiros.
c) Nas cantigas de
amor, há o reflexo do relacionamento entre o senhor e vassalo na sociedade
feudal: distância e extrema submissão.
d) Nas cantigas de
amigo, o trovador escreve o poema do ponto de vista feminino.
e) A influência dos trovadores provençais é nítida nas
cantigas de amor galego-portuguesas.
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