quinta-feira, 7 de junho de 2018

POETAS NEGROS DA LITERATURA BRASILEIRA

1- Machado de Assis - REALISMO

Joaquim Maria Machado de Assis quase dispensa apresentações, pois é considerado o maior nome da literatura brasileira. Além de seus tão conhecidos romances, publicou contos, poemas, peças de teatro e foi pioneiro como cronista. Publicou em inúmeros jornais e foi o fundador da Academia Brasileira de Letras, juntamente com escritor José Veríssimo. Machado de Assis foi eleito presidente da instituição, ocupando este cargo até sua morte. Escreveu mais de 50 obras, mas está para sempre imortalizado por causa das obras Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881); Quincas Borba (1891); Dom Casmurro, (1899) e O Alienista (1882). Vale relembrar que até pouco tempo atrás, era representado como um homem branco em determinadas propagandas.

POEMAS

Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
A uma senhora que me pediu versos
Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.
Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.
Uma só das horas tuas
Valem um mês
Das almas já ressequidas.
Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.
Livros e flores
Teus olhos são meus livros.
Que livro há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?
Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?
No alto
O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.
Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.
Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,
Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.
Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
“Quem me dera que eu fosse aquela loira estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
“Pudesse eu copiar-te o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela”
Mas a lua, fitando o sol com azedume:
“Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume”!
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
Pesa-me esta brilhante auréola de nume…
Enfara-me esta luz e desmedida umbela…
Por que não nasci eu um simples vagalume?”…
ERRO
Erro é teu. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Não foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença, vivo,
Morto, se estavas ausente,
E se ora me vês esquivo,
Se, como outrora, não vês
Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés,
É que, — como obra de um dia,
Passou-me essa fantasia.
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frívolas quimeras,
Teu vão amor de ti mesma,
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro… Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras…
(Crisálidas – 1864)
EPITÁFIO DO MÉXICO
Dobra o joelho: — é um túmulo.
Embaixo amortalhado
Jaz o cadáver tépido
De um povo aniquilado;
A prece melancólica Reza-lhe em torno à cruz.
Ante o universo atônito
Abriu-se a estranha liça,
Travou-se a luta férvida
Da força e da justiça;
Contra a justiça, ó século,
Venceu a espada e o obus.
Venceu a força indômita;
Mas a infeliz vencida
A mágoa, a dor, o ódio,
Na face envilecida
Cuspiu-lhe. E a eterna mácula
Seus louros murchará.
E quando a voz fatídica
Da santa liberdade
Vier em dias prósperos
Clamar à humanidade,
Então revivo o México
Da campa surgirá.
(Crisálidas – 1864)
O VERME
Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.
Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.
Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento.
Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão…
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.
(Falenas – 1870)
Soneto de natal
Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto . . . A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
2- Cruz e Sousa - SIMBOLISMO

João da Cruz e Sousa, também conhecido como Dante Negro ou Cisne Negro, foi o único poeta de pura raça negra, não tinha nada de mestiço, segundo Antonio Candido (grande estudioso da literatura brasileira e sociólogo). Era filho de escravos alforriados, mas recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o marechal Guilherme Xavier de Sousa – de quem adotou o nome de família, Sousa. Aprendeu línguas como francês, latim e grego. Além disso, aprendeu Matemática e Ciências Naturais. Seus poemas simbolistas são marcados pela musicalidade, pelo individualismo, pelo espiritualismo e pela obsessão pela cor branca. Publicou os livros Broquéis (1893); Missal (1893) Tropos e Fantasias (1885), com Virgílio Várzea; postumamente foram publicados Últimos  Sonetos (1905); Evocações (1898); Faróis (1900); Outras evocações(1961); O livro Derradeiro (1961) e Dispersos (1961).


POEMAS

Acrobata da dor
Gargalha, ri, num riso de tormenta,
como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta …
Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d’aço. . .
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.
 
Sinfonias do ocaso
Musselinosas como brumas diurnas
descem do ocaso as sombras harmoniosas,
sombras veladas e musselinosas
para as profundas solidões noturnas.
Sacrários virgens, sacrossantas urnas,
os céus resplendem de sidéreas rosas,
da Lua e das Estrelas majestosas
iluminando a escuridão das furnas.
Ah! por estes sinfônicos ocasos
a terra exala aromas de áureos vasos,
incensos de turíbulos divinos.
Os plenilúnios mórbidos vaporam …
E como que no Azul plangem e choram
cítaras, harpas, bandolins, violinos …
Dilacerações
Ó carnes que eu amei sangrentamente,
ó volúpias letais e dolorosas,
essências de heliotropos e de rosas
de essência morna, tropical, dolente…
Carnes, virgens e tépidas do Oriente
do Sonho e das Estrelas fabulosas,
carnes acerbas e maravilhosas,
tentadoras do sol intensamente…
Passai, dilaceradas pelos zelos,
através dos profundos pesadelos
que me apunhalam de mortais horrores…
Passai, passai, desfeitas em tormentos,
em lágrimas, em prantos, em lamentos
em ais, em luto, em convulsões, em dores…
Alma solitária
Ó Alma doce e triste e palpitante!
que cítaras soluçam solitárias
pelas Regiões longínquas, visionárias
do teu Sonho secreto e fascinante!
Quantas zonas de luz purificante,
quantos silêncios, quantas sombras várias
de esferas imortais, imaginárias,
falam contigo, ó Alma cativante!
que chama acende os teus faróis noturnos
e veste os teus mistérios taciturnos
dos esplendores do arco de aliança?
Por que és assim, melancolicamente,
como um arcanjo infante, adolescente,
esquecido nos vales da Esperança?!
Livre
Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.
Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.
Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.
Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.


3- Antônio Gonçalves Dias- ROMANTISMO


O tratamento do tema do negro se dilui em sua poesia, principalmente quando a imagem heroicizada do índio é erguida como símbolo do nacionalismo brasileiro. Dentre as obras de Gonçalves Dias podemos citar: Primeiros cantos (1846), Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão (1849), Os Timbiras (1857).

POEMAS

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Como eu te amo

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;

Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua,

Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;

Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e sedutora;

Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e cores, e perfume, e vida,
Os pais e a pátria e a virtude e a Deus:

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os lábios meus, — mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti. — Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.


Olhos verdes

Eles verdes são:
E têm por usança,
na cor esperança,
E nas obras não.
Cam. Rim.

São uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos cor de esperança,
Uns olhos por que morri;
Que ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como duas esmeraldas,
Iguais na forma e na cor,
Têm luz mais branda e mais forte,
Diz uma — vida, outra — morte;
Uma — loucura, outra — amor.
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São verdes da cor do prado,
Exprimem qualquer paixão,
Tão facilmente se inflamam,
Tão meigamente derramam
Fogo e luz do coração
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
depois que os vi!

São uns olhos verdes, verdes,
Que podem também brilhar;
Não são de um verde embaçado,
Mas verdes da cor do prado,
Mas verdes da cor do mar.
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como se lê num espelho,
Pude ler nos olhos seus!
Os olhos mostram a alma,
Que as ondas postas em calma
Também refletem os céus;
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós, ó meus amigos,
Se vos perguntam por mim,
Que eu vivo só da lembrança
De uns olhos cor de esperança,
De uns olhos verdes que vi!
Que ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós: Triste do bardo!
Deixou-se de amor finar!
Viu uns olhos verdes, verdes,
uns olhos da cor do mar:
Eram verdes sem esp’rança,
Davam amor sem amar!
Dizei-o vós, meus amigos,
Que ai de mim!
Não pertenço mais à vida
Depois que os vi!


Seus Olhos

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.

São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão!

Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto humedece
Me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranquilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.

Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.

Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.


Canção do Tamoio

I

Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

II

Um dia vivemos!
E o homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.

III

O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!

IV

Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!

V

E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.

VI

Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.

VII

E a mãe nessas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!

VIII

Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.

IX

E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.

X

As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.


Se te amo, não sei!

Amar! se te amo, não sei.
Oiço aí pronunciar
Essa palavra de modo
Que não sei o que é amar.

Se amar é sonhar contigo,
Se é pensar, velando, em ti,
Se é ter-te n'alma presente
Todo esquecido de mim!

Se é cobiçar-te, querer-te
Como uma bênção dos céus
A ti somente na terra
Como lá em cima a Deus;

Se é dar a vida, o futuro,
Para dizer que te amei:
Amo; porém se te amo
Como oiço dizer, — não sei.

————

Sei que se um gênio bom me aparecesse
E tronos, glórias, ilusões floridas,
E os tesouros da terra me oferecesse
E as riquezas que o mar tem escondidas;

E do outro lado — a ti somente, — e o gozo
Efêmero e precário — e após a morte;
E me dissesse: "Escolhe" — oh! jubiloso,
Exclamara, senhor da minha sorte! —

Que tesouro na terra há i que a iguale?
Quero-a mil vezes, de joelhos — sim!
Bendita a vida que tal preço vale,
E que merece de acabar assim!


4- Lima Barreto (1891- 1922): PRÉ-MODERNISTA


Escritor que teve sua obra negligenciada e discriminada por muito tempo, Lima Barreto mostrou grande preocupação social em seus textos.

Não é só a morte que iguala a gente. O crime, a doença e a loucura também acabam com as diferenças que a gente inventa.”

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu na cidade do Rio de Janeiro no dia 13 de maio de 1881. Nos 133 anos do escritor, considerado um dos mais importantes da Literatura brasileira.
A importância de Lima Barreto extrapola os limites literários: foi um dos poucos de nossa Literatura a combater o preconceito racial e a discriminação social do negro e do mulato. Filho de família humilde, porém de bom nível cultural, contou com a proteção do Visconde de Ouro Preto, graças a quem conseguiu ingressar no curso de Engenharia, algo improvável para alguém com as mesmas origens. Perdeu a mãe, a professora primária Amália Augusta, aos seis anos e, em virtude da doença mental que acometia o pai, Lima Barreto precisou abandonar a faculdade para sustentar a família, madrasta e irmãos. Todos esses fatores influenciaram em muito o estilo do escritor que, embora seja considerado uma espécie de patrono dos autores boêmios e rebeldes, além de ser muito lembrado pelos constantes problemas com o alcoolismo e distúrbios mentais, deixou uma obra literária digna de leitura e admiração. Lima Barreto escreveu dezenove livros, entre eles Clara dos Anjos, obra póstuma, Cemitério dos Vivos, livro póstumo e inacabado, e seu mais famoso romance, Triste fim de Policarpo Quaresma, que em 1998 ganhou adaptação para o cinema. Policarpo Quaresma, um aposentado que dedica sua vida a estudar a cultura brasileira, é a representação do ufanismo nacional. Dentre suas ideias utópicas e ingênuas, destaca-se a sugestão às autoridades da substituição do português pelo tupi-guarani, que, segundo ele, era nossa verdadeira língua-mãe. O “triste fim” ao qual o título se refere revela o desfecho do personagem na narrativa: voluntário na Revolta da Armada, por discordar das injustiças praticadas contra os prisioneiros, é preso e condenado ao fuzilamento, ordem dada pelo seu ídolo, Marechal Floriano Peixoto. Policarpo Quaresma, nosso Dom Quixote tupiniquim, antes mesmo da morte física, morre espiritualmente, ao ver seu projeto de nação frustrado, descontentamento que Lima Barreto mostrou ao traçar o painel humano e social da época. O movimento que traz à tona a obra literária de Lima Barreto é recente, visto que o escritor ficou muito tempo à sombra de seu contemporâneo, Machado de Assis, e também subjugado pelo estigma da loucura. Vítima de discriminação, silenciado em seu tempo pela alta cúpula da Academia Brasileira de Letras – à qual se candidatou por duas vezes, tendo desistido da terceira antes mesmo das eleições –, Lima Barreto entregava-se ao consumo de álcool, fator que lhe rendeu duas internações na Ala Pinel do Hospício Nacional. Vítima de um colapso cardíaco, Lima Barreto faleceu no dia 1 de novembro de 1922 e, felizmente, muitos de seus textos têm sido levados ao grande público, alcançando, ainda que tardiamente, a posição que sempre deveria ter ocupado na Literatura brasileira: a de grande escritor da língua portuguesa.




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